Hoje (5/09) começa o 3º ciclo da sensível e bela exposição “Jonas”, na Galeria da Escola Guignard, apresentando 16 novas obras de Rachel Schembri. Desde a inauguração em 13 de agosto, a exposição tem sido enriquecida com a inclusão de novas peças, substituindo as 28 originais e oferecendo ao público uma nova perspectiva sobre a arte de Schembri.
“As obras foram selecionadas prevendo quatro ciclos, contemplando processos e experimentações distintas. Optamos por ter uma exposição mais dinâmica que possibilitasse que o público acessasse essa diversidade de processos da artista”, explica a curadora Francisca Caporali.
Jonas homenageia a artista plástica Raquel Schembri, falecida em junho de 2016, e oferece a oportunidade de revisitar sua última produção e acompanhar o resgate da pintura mural Baleia Vermelha.
Próximas Datas:
- 13/09: Início do 4º e último ciclo da exposição
- 19/09: Duelo de Retratos – ocupação onde o público será convidado a desenhar uns aos outros
- 20/09: Encerramento da exposição
A “Baleia Vermelha” e o Processo de Resgate
Há 13 anos, Raquel Schembri pintou a imponente “Baleia Vermelha” diretamente nas paredes da Galeria da Escola Guignard durante uma residência artística. Essa obra, que ficou oculta sob inúmeras camadas de tinta de exposições posteriores, será agora revelada ao público através de uma técnica de resgate por estratigrafia. A prospecção será coordenada pela artista, professora e pesquisadora Daniella Domingues, com a preparação da pesquisadora Lorenza Lourenço Carvalho e o apoio de alunos da Escola Guignard, selecionados por meio de uma convocatória pública.
O RETORNO DA BALEIA: JONAS, DE RAQUEL SCHREMBI
texo de Eduardo Jorge de Oliveira
UMA BALEIA DORMIA UM SONO PROFUNDO. Ela repousava sob as camadas de tinta na galeria da Escola Guignard e, aos poucos, está retornando à superfície da parede graças a iniciativa de artistas, professores e estudantes. Há treze anos atrás, essa baleia surgiu no muro na Escola, desenhada e pintada por Raquel Schrembi (1984 – 2016). Seu corpo extenso e vermelho ocupou toda a extensão da maior parede da galeria. Essa baleia, também conhecida por cachalote, pode ter uma medida de 16, 20 metros ou mais e a escala com a qual a artista trabalhou não está longe disso, com 17 metros. Pintada com um corante vermelho da marca Xadrez, Raquel inventou uma baleia das montanhas. Com esse corante, a cor vermelho-ocre do cetáceo é de grande resistência.
Schrembi tornou-se um nome que podemos dar às passagens intensas da vida, que deixa traços com quem a artista conviveu. Suas histórias povoam a imaginação dos mais próximos e dos próximos dos próximos. Raquel nos deixou aos trinta e dois anos de idade. A baleia foi pintada seis anos antes no contexto de uma exposição individual e, depois, ela desapareceu na brancura cúbica da galeria da Guignard. Para trazer a baleia de volta à superfície do muro, restauradores e arqueólogos seguiram em busca de uma densa massa vermelha e, diante do branco quadriculado, começou a surgir algumas partes do grande mamífero aquático. Sem nenhuma totalidade figurativa, as manchas vermelhas começam a aparecer em pequenos quadrados. Em cada parte descoberta, os resquícios do branco, suas impurezas, misturados ao vermelho, produzem o efeito da espuma, como se o cetáceo preparasse uma subida à superfície das águas. Ele está em movimento dentro da parede. Esses fragmentos colocados à vista dos visitantes mostram que uma imagem não se contenta apenas com o visível. Ela pode permanecer uma década longe dos olhos e, por estilhaços, uma baleia emerge da própria totalidade. Por um movimento fragmentário pode-se completar a baleia na imaginação pois, no cartaz tem-se acesso ao desenho do cachalote.
Em termos de baleias, mesmo que nosso imaginário esteja orientado para a brancura de Moby Dick, a baleia de Raquel Schrembi vai em outra direção. Ao invés da obsessão de um único homem, o capitão Ahab, que leva toda a tripulação ao naufrágio, a tripulação de artistas e pesquisadores que fazem parte da Associação de amigos de Raquel Schrembi, capitaneados por Francisca Caporali e Roberto Freitas, nos convida a atravessar cada ínfima camada de branco para chegar ao vermelho-cachalote num gesto afetivo, cuja sensibilidade coletiva vem de quem provavelmente ouviu a canção desta baleia. Roberto Freitas, que foi o grande companheiro da artista e pai da Marta, filha do casal, sonhou com essa baleia, que conhecia apenas por uma precária documentação, duas fotografias, pois a baleia foi pintada antes do encontro dos dois. Esse sonho foi a porta de entrada para esta arqueologia que está sendo executada entre agosto e setembro na Guignard.
O título da exposição, Jonas, faz referência ao profeta que foi engolido por uma baleia. A cena não é apenas cristã, pois judeus e muçulmanos, compartilham do mesmo imaginário em torno de Jonas. Mas em Mateus (12: 38-50), Jonas era o único profeta que poderia enviar o sinal de Deus antes da destruição de Nínive. No entanto, o profeta recusou esta missão divina e partiu na direção contrária. Vários foram os males assolados naquela embarcação até descobrirem que Jonas era a causa. Detectado como fonte dos males, ele foi jogado do navio em pleno mar e uma baleia o engoliu. Foram três dias e noites no ventre da baleia até que ele pudesse seguir a orientação prévia. Pelas palavras de Jonas, a cidade (Nínive) não foi destruída, sua pregação teve efeito. É pelo menos o que nos transmite a vulgata da Bíblia. Mas essa imagem bíblica foi
transformada por Carlo Collodi, autor do célebre Pinóquio, de 1883. Embora Jonas seja o título da obra, a imagem da baleia de Raquel Schrembi é lúdica e leve. Ela se aproxima de Pinóquio e, algo em comum entre eles, Jonas e Pinóquio, está na hospitalidade da baleia que engole – embora tenha dentes – e transporta para outra direção. Mais que uma caça, a busca pela baleia tem algo que ver com o transporte e com a hospitalidade. Nesse sentido, essa baleia é uma imagem que nos reorienta. De certo modo, somos engolidos por ela – espero que sejamos todos – e que ela nos devolva para aos nossos devires e destinos.
Junto ao gesto de recuperação da baleia ao longo do extenso muro bem medido e enquadrado, estão as pinturas da artista: são linhas, movimentos vegetais que parecem fazer as vezes de uma vegetação submarina, onde dessas profundezas também se podem ver linhas figurativas de elementos urbanos, como um poste de iluminação pública, restos de fachadas, flores moles e uma figuração líquida com uma sensibilidade oceânica. A baleia nos movimenta para baixo e para cima. Trata-se de um movimento que os gregos chamavam de “catabase” (descida) e “anabase” (subida) e que escritores, artistas fizeram pulsar nos seus poemas e figurações. Com esses dois tropos, desce-se ao mundo subterrâneo dos mortos e sobe-se para o mundo dos vivos. Ao voltar para a superfície do muro, a baleia retorna e, munida de seu silêncio animal, ela nos conta de Raquel, da sua relação com os animais e da força com a qual ela afirmou a vida. A artista não era capaz de prever o retorno dessa baleia, mas a tripulação sob o nome de Raquel Schrembi põe em marcha o retorno. E aqui estou eu num grande reencontro. Que alegria o retorno desta baleia!
Serviço
Exposição “Jonas”
Local: Galeria da Escola Guignard
Endereço: Rua Ascânio Burlamarque, 540 – Comiteco, Belo Horizonte – MG, 30315-030
Visitação: até 20 de setembro de 2024
Horário de visitação: De segunda a sexta, das 9h às 21h
Ficha Técnica:
- Produção Executiva: Roberto Freitas
- Assistência de Produção: Mariana Zani
- Curadoria: Francisca Caporali e Roberto Freitas
- Coordenação da Estratigrafia: Daniella Domingues
- Preparação dos Agentes de Estratigrafia: Lorenza Lourenço Carvalho
- Assistentes: Lívia M. Zuppellar, Marina Mascarenhas, Gabriel Sena e Gabriel Heliakim
- Plano de Mídia, Design Gráfico e Expografia: Shima
- Assessoria de Imprensa: Renata Alves
- Escola Guignard – UEMG: Lorena D’Arc – diretora, Fabiola Giraldi – vice-diretora
- Galeria Escola Guignard: Coordenação: Isaura Pena e Sávio Reale
- Estagiária: Gabrielle Gonçalves
- Bolsistas: Laura Aguiar, Carolina Pires
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