Mostra e oficina de Azucena Losana, realizadora mexicana pela primeira vez em Belo Horizonte, movimentaram o Cine Humberto Mauro e a Sala Juvenal Dias; para celebrar as 3 décadas, Prêmio Especial Infrarreal foi inaugurado com entrega para coletivo mexicano Los Ingrávidos
O 26º Festival Internacional de Curtas de Belo Horizonte – FestCurtasBH foi encerrado neste domingo (3/11) com a exibição dos filmes premiados na competição. O festival comemora 30 anos com espaço para diversas cinematografias do mundo, formação de espectadores e profissionais, ampla participação do público e criação de novo prêmio. A organização anunciou no sábado (2/11) os curtas-metragens vencedores das Mostras Competitivas Minas, Brasil e Internacional, além dos filmes eleitos pelo Júri Popular. Ao todo, 44 curtas-metragens selecionados para as Mostras Competitivas Minas, Brasil e Internacional foram avaliados por um Júri Oficial convidado pelo Festival e concorreram ao Troféu Capivara de Melhor Filme em cada categoria, além de prêmio no valor bruto de R$5.000,00 (cinco mil reais). Por sua vez, todos os 89 filmes que participam de mostras competitivas e paralelas concorreram ainda ao prêmio do Júri Popular, definido a partir de votação do público durante a mostra, dando ao vencedor, além do Troféu, o valor bruto de R$3.000,00 (três mil reais). Agora, dos dias 6 a 9/11/2024, parte da seleção segue para o Cineminha – Centro Social e Cultural Padre João Marcelino, em Nova Lima, onde também acontece, a partir das 17h do dia 6/11, uma Oficina de Realização Cinematográfica, gratuita e sem necessidade de inscrição prévia.
“Foi um festival lindíssimo, com um público muito assíduo e interessado”, resume Ana Siqueira, Coordenadora de Curadoria e Programação do FestCurtasBH. “Um dos destaques foi o Seminário Corpo Crítico, em que a gente teve a oportunidade de reunir pessoas de todas as edições da Oficina que estiveram como ministrantes, além daquelas que participaram enquanto alunas/os. Foi uma oportunidade de pensar no cenário da crítica, sobre o que foi construído ou desconstruído ao longo desses seis anos. Além disso, eu gostaria de apontar também a mostra [‘Preciso-Improviso’] da [cineasta convidada mexicana] Azucena Losana, que foi extraordinária, usando meios que são muito raros atualmente, a partir do trabalho com o analógico. Uma das sessões tinha 4 projetores de Super-8, então é uma verdadeira magia vê-la com essas várias películas, fazendo tudo tão manualmente; tem uma dimensão muito material para um mundo que é muito digital. O público ficou fascinado, com muitas perguntas, com pessoas que conhecem mais esse tipo de prática e outras surpresas diante dessa maneira de fazer e exibir os filmes. Tivemos também a mostra com os filmes da Azucena, e foi um encantamento da equipe e do público, com uma pessoa muito generosa e extremamente inventiva, que fez a oficina de ‘Projetores Precários’, também um sucesso, com alta demanda e com os espectadores muito empolgados. A presença da Azucena então foi muito especial nessa edição”, destaca Ana Siqueira.
Para Matheus Antunes, Coordenador-Executivo, o FestCurtasBH deste ano é um sucesso tanto no quesito público quanto no cumprimento das ações, como sessões, debates e formação de novos públicos. “Durante os 10 dias de evento o festival pôde voltar o olhar para a produção contemporânea brasileira e internacional, que reforçaram a alta qualidade e inventividade dos filmes exibidos nas competitivas e mostras paralelas. As sessões das mostras paralelas Infantil e Juventudes também foram apresentadas para escolas públicas de Belo Horizonte, em sessões especiais em parceria com o Educativo da Fundação Clóvis Salgado”, elenca Matheus Antunes. “Uma das principais novidades trazidas na edição que comemora os 30 anos do festival”, continua o Coordenador-Executivo, “é a criação do Prêmio Especial Infrarreal. Este prêmio, dado pela organização do FestCurtasBH, celebrará a cada ano artistas, coletivos, realizadores ou movimentos cinematográficos importantes para a história do evento e para o cinema de curta-metragem. Em 2024 o prêmio foi concedido como homenagem ao coletivo mexicano Los Ingrávidos, pelo seu potente trabalho de experimentação e criação de imagens poéticas e confrontadoras. Tivemos, no encerramento do festival, a exibição do mais novo curta-metragem do coletivo, ‘Teocali’ (2024)”, salienta.
O “26º FestCurtasBH” é realizado pelo Ministério da Cultura, Governo de Minas Gerais, Secretaria de Estado de Cultura e Turismo de Minas Gerais e Fundação Clóvis Salgado, por meio do Termo de Parceria entre a Fundação Clóvis Salgado e a Prefeitura de Nova Lima. A ação é viabilizada pela Lei Federal de Incentivo à Cultura (Lei Rouanet) e pela Lei Paulo Gustavo MG. Governo Federal – União e Reconstrução. As atividades da Fundação Clóvis Salgado têm a Cemig como mantenedora, Patrocínio Master do Instituto Cultural Vale, Patrocínio Prime do Instituto Unimed-BH e da ArcelorMittal, Patrocínio da Vivo e correalização da APPA – Cultura & Patrimônio. O Palácio das Artes integra o Circuito Liberdade, que reúne 35 equipamentos com as mais variadas formas de manifestação de arte e cultura em transversalidade com o turismo.
Competitiva Brasil – O curta-metragem mineiro “Dona Beatriz Nsimba Vita” (2023), de Leonardo Cata Preta, foi o grande vencedor da disputa entre os filmes nacionais. O curta de animação de cerca de 20 minutos já passou por eventos de prestígio no Brasil e no exterior, como o Festival de Sundance 2024 e a 27ª Mostra de Cinema de Tiradentes. No filme, Dona Beatriz mantém as instruções históricas de Kimpa Vita, profetisa e líder congolesa que buscou unificar o Reino do Congo no século XVII. A partir delas, produz clones de si mesma, disposta a formar um exército nas gavetas da cozinha de sua casa, localizada numa Belo Horizonte marcada pelos signos da crise e da persistência.
O Júri Oficial parabenizou “a investigação estética e pesquisa histórica que resulta no traçado que dá forma à Dona Beatriz Nsimba Vita”, caracterizando o filme como um “curta-metragem tão bonito quanto desafiador”. A comissão, formada por Azucena Losana, Fabio Rodrigues Filho e Kênia Freitas, destacou ainda que “a alquimia da personagem principal, que se multiplica vertiginosamente, inspira um filme de difícil decodificação, mas que nos convida à sua trama por múltiplos sentidos: o primoroso trabalho plástico alinha-se a uma rigorosa investigação sonora. Cachorros vermelhos atentos, araras nervosas, fantasmas que invadem casas, uma receita ancestral escondida, o fim do mundo, seu recomeço…”, exalta o Júri Oficial.
Ainda na Competitiva Brasil, uma Menção Honrosa foi concedida ao curta capixaba “Canto das Areias” (2024), dirigido por Maíra Tristão. O filme se desenvolve em meio à busca pela memória de uma antiga vila que foi soterrada e à religiosidade de seus antigos habitantes. “Acreditando nos mitos e mitologias que encontra, mas separando o gesto documental do etnográfico, a obra promove”, segundo o Júri Oficial, “por um preciso trabalho de direção, um movimento sincrético bonito e respeitoso com os seres animados e inanimados que filma”.
Competitiva Internacional – “Solo la Luna Comprenderá” (“Só a Lua Testemunhará”, 2024), de Kim Torres, ganhou o Troféu Capivara na seleção dos filmes estrangeiros. O curta-metragem da Costa Rica foi selecionado recentemente para festivais internacionais de renome, como os de Nova York (EUA) e Locarno (Suíça). No filme, narrativas sobre o território se entrelaçam em um exercício coletivo de rememorar e fabular sobre a identidade e a complexa experiência de crescer e habitar uma pequena cidade costeira como Manzanillo, no litoral caribenho do país. Magia, mistério e monotonia se mesclam em uma atmosfera que vagueia entre o onírico e a memória, tendo a lua como testemunha.
Alessandra Brito, Gilson Plano e Pedro Vaz Peres, membros do Júri Oficial, ressaltaram o “habilidoso entrelaçamento de diferentes temporalidades” proposto pelo filme. Diz ainda a comissão: “Pelos relatos imprecisos e olhares imaginativos das crianças – permeados pela vontade de ir embora e encarar todo o sentimento do mundo, convivendo com o desejo de permanecer indefinidamente instalado em um passado de afetos –, o filme elabora uma imagem do que pode ser crescer em Manzanillo, na Costa Rica. A obra interpela as brincadeiras na praia, as andanças sem fim pelos cantos do vilarejo que a câmera acompanha, participante, subjetiva, imprecisa, a intensidade de um instante que apenas a lua pode testemunhar em sua plenitude. Flertando com o experimental, ‘Solo la luna comprenderá’ se desocupa das estruturas narrativas para oferecer ao espectador uma rica e transcendente experiência de cinema”.
Competitiva Minas – Dentre os concorrentes mineiros, o vencedor foi “Trap Pesadelo – O manifesto” (2024), filme realizado em Cordisburgo pelo cineasta Marco Antônio Pereira. Vencedor do 8º Prêmio Humberto Mauro – Curtas de Invenção, o curta segue Super Marco, um cineasta do interior de Minas Gerais. Sem perspectivas, ele ingressa em um programa assistencial do governo brasileiro para jovens cineastas frustrados.
Anti Ribeiro, Érico Oliveira e Nanda Rossi, componentes do Júri Oficial, destacaram as qualidades que motivaram a premiação do filme. “Por desafiar os repertórios deste júri e a construção canônica da ideia de cinefilia, por trabalhar o humor como possibilidade política contundente, por um manejo inteligente de linguagens contemporâneas, colocando-as em xeque de forma criativa, por aglutinar diferentes culturas da imagem visual e sonora num filme-ciborgue e pela intenção de interferir diretamente na economia do audiovisual, é que fizemos nossa escolha. Por se identificar com a ousadia do filme, este júri premia ‘Trap Pesadelo – O manifesto’, de Marco Antônio Pereira”.
O Júri Popular, por sua vez, escolheu a ficção científica “Vollúpya” (2024), de Éri Sarmet e Jocimar Dias Jr. No filme, os vestígios de uma histórica boate LGBTQIAP+ na Niterói dos anos 1990 são descobertos por um viajante intergaláctico, vindo de um futuro pós-apocalíptico.
FESTIVAL INTERNACIONAL DE CURTAS DE BELO HORIZONTE – O FestCurtasBH chega à 26ª edição e aos 30 anos de existência a passos firmes e vigorosos. As edições se sucedem em uma trajetória que não é – nem pretende ser – linear: a multiplicidade de colaboradores, filmes e proposições são parte fundamental da pujança do festival, que foi criado em 1994, com uma pausa de cinco anos entre a segunda e terceira edição. A linha invisível que alinhava sua história é a aposta inabalável na força e na liberdade potencialmente implícitas ao curta-metragem em sua condição singular de cinema. Aberto a todos os gêneros e formatos, o FestCurtasBH se volta com particular interesse à experimentação e às formas fílmicas engajadas e inventivas. O Festival enfatiza também seu caráter de pesquisa e tem se dedicado a refletir sobre a história do cinema, revolvendo, junto aos filmes, algumas de suas linhas de força e operações estéticas, como a legitimação, apagamento e retomada de obras, autores e procedimentos. Além da exibição de filmes contemporâneos (que concorrem a diferentes categorias do troféu Capivara) e históricos, o FestCurtasBH apresenta seminários, debates, cursos e eventos especiais.
FUNDAÇÃO CLÓVIS SALGADO – Com a missão de fomentar a criação, formação, produção e difusão da arte e da cultura no estado, a Fundação Clóvis Salgado (FCS) é vinculada à Secretaria de Estado de Cultura e Turismo de Minas Gerais (Secult). Artes visuais, cinema, dança, música erudita e popular, ópera e teatro constituem alguns dos campos onde se desenvolvem as inúmeras atividades oferecidas aos visitantes do Palácio das Artes, CâmeraSete – Casa da Fotografia de Minas Gerais – e Serraria Souza Pinto, espaços geridos pela FCS. A Instituição é responsável também pela gestão dos corpos artísticos – Cia de Dança Palácio das Artes, Coral Lírico de Minas Gerais e Orquestra Sinfônica de Minas Gerais –, do Cine Humberto Mauro, das Galerias de Arte e do Centro de Formação Artística e Tecnológica (Cefart). A Fundação Clóvis Salgado é responsável, ainda, pela gestão do Circuito Liberdade, do qual fazem parte o Palácio das Artes e a CâmeraSete, entre outros diversos equipamentos. Em 2021, quando celebrou 50 anos, a FCS ampliou sua atuação em plataformas virtuais, disponibilizando sua programação para público amplo e variado. O conjunto dessas atividades fortalece seu caráter público, sendo um espaço de todos e para todos.