No Tip Top, clássicos como Eisbein, Goulash e Schnitzel revelam a sofisticação de uma cozinha marcada por contrastes bem calculados — servida com alma e precisão há quase um século em Belo Horizonte.
Longe do estereótipo que a resume a salsichas e cerveja, ou rústica e pesada, a culinária alemã clássica é, em sua essência, uma engenharia de sabores. É uma gastronomia de técnicas precisas, onde cada elemento de um prato tem a função de complementar ou se opor ao outro. A gordura é equilibrada pela acidez, o salgado é realçado pelo doce, e as especiarias criam uma assinatura aromática inconfundível. “Mais do que na força dos ingredientes, o segredo da cozinha alemã está na inteligência das combinações. É uma cozinha de contrapesos: para cada elemento rico, como a carne de porco, sempre haverá um contraponto ácido que traz equilíbrio e complexidade ao prato”, ensina o chef Leandro Robert, que está à frente do bar e restaurante Tip Top, que é pioneiro em BH nesta cozinha, em uma história de quase 100 anos.
Um prato exemplo dessa engenharia é o Eisbein (joelho de porco). A untuosidade e o sabor profundo da carne suína crocante são confrontados pela acidez do chucrute (repolho fermentado) e do picles que a acompanha, um contraponto que “corta” a gordura e evita que o paladar fique saturado. O purê de maçã, com sua doçura sutil, completa a equação, equilibrando a acidez e o sal, e provando que a harmonia do prato reside na tensão controlada entre seus componentes.
Em relação ao perfil de sabor, a cozinha germânica é marcada por especiarias como mostarda, zimbro, cominho (kümmel), noz-moscada e páprica. “A culinária alemã tem sabores muito presentes. O desafio é aplicar essas especiarias de forma que definam o prato sem sobrecarregar o paladar. Buscamos um sabor autêntico, intenso e, ao mesmo tempo, equilibrado”, explica o chef do Tip Top. No bar, essa precisão aparece, por exemplo, no Goulash com Spätzle, um ensopado de carne servido com massa artesanal e que tem a páprica como protagonista. Ou no Kassler do Kaiser, uma bisteca defumada que tem seu sabor realçado na acidez do picles, folhas verdes e mostarda.
Outro ícone alemão que marca presença no Tip Top é a Salada de Batatas (Kartoffelsalat), que extrapola o posto de um acompanhamento. “A salada é quase uma instituição da casa, preparada com o mesmo cuidado há décadas. Fazemos uma emulsão estável de maionese caseira, combinada com a acidez dos nossos picles e o calor da mostarda. Sua função ao lado de um Schnitzel, por exemplo, é oferecer um contraponto úmido, cremoso e ácido que complementa a textura crocante da fritura e o sabor mais neutro do filé”, detalha Leandro.
Em busca de qualidade e autenticidade, parte do diferencial do Tip Top está nos bastidores: mais de 70% dos preparos como molhos, conservas, defumados e picles, são preparados ali mesmo, na cozinha da casa. “Isso nos permite respeitar as receitas e preservar os sabores originais com fidelidade”, destaca o chef Leandro Robert.
TipTop: Quase 100 anos de cozinha alemã em BH
Essa autoridade, construída ao longo de 95 anos, tem uma origem audaciosa. Em 1929, quando Belo Horizonte ainda se consolidava como uma jovem capital, a imigrante tcheca Paula Hven apresentou um cardápio de sabores até então desconhecidos pelos mineiros. Pratos hoje consagrados como o chucrute, as salsichas artesanais e o próprio joelho de porco eram, na época, iguarias exóticas, uma janela para a culinária da Europa Central. O Tip Top não foi apenas o primeiro restaurante alemão da cidade; ele foi um agente cultural, responsável por introduzir e popularizar um receituário que, com o tempo, foi abraçado e incorporado à memória afetiva de Belo Horizonte. Hoje, cada prato servido carrega o peso e a responsabilidade desse legado, provando que a história do restaurante não está apenas nas paredes, mas principalmente no sabor.
SERVIÇO
Tip Top desde 1929
Funcionamento: Terça a sábado, 11h às 23h; domingo, 11h às 18h
Endereço: R. Paraíba, 811 – Savassi, Belo Horizonte – MG, 30130-140