XX Fórum das Letras da UFOP discute Tradução e Imaginários

Evento gratuito celebra 20 anos, reúne autores nacionais e internacionais e valoriza a diversidade cultural

A XX edição do Fórum das Letras, promovido pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), será realizada de 17 a 20 de setembro, com o tema “Tradução e Imaginários”. O evento, já consolidado como um dos mais importantes encontros literários do Brasil, reúne autores nacionais e internacionais e, em 2025, integra as atividades da Saison Croisée França-Brasil.

A partir dessa temática, a conferência de abertura ficará sob a batuta de Jacyntho Lins Brandão, um dos mais reconhecidos tradutores do Brasil, professor emérito de Língua e Literatura Grega na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e atualmente preside a Academia Mineira de Letras. Brandão é autor de vários livros, entre eles estudos, traduções e obras literárias de poesia e teatro, evidenciando-se pela dedicação ao ensino e a pesquisa em línguas clássicas, especialmente a grega, e por sua influência no cenário acadêmico brasileiro.

Em curadoria compartilhada com as professoras Mônica Gama, Rita Lages, Maria Rita Viana e Larissa Lagos, do curso de Letras da UFOP, Guiomar de Grammont explica que o Fórum das Letras 2025 propõe como temática convergente o encontro da tradução com os imaginários. “Nosso propósito é trazer para o centro a relação entre o ‘original’ e a ‘tradução’ em sua multiplicidade e multimodalidade, ou seja, reconhecendo que a comunicação abrange a linguagem verbal (mesmo em conversas cotidianas), a escrita, as imagens (gráficos, vídeos, etc.), a linguagem sonora (música, efeitos sonoros, etc), a linguagem corporal (gestos, expressões faciais, etc), a linguagem espacial (organização de elementos em um texto ou em um ambiente) e até a linguagem tátil (texturas, materiais, etc). A tradução pode promover combinações e interações de diferentes modos de comunicação, tornando as mensagens mais ricas e complexas, capazes de transmitir emoções ou ideias para além das palavras.”

Mônica Gama complementa: “Esses elementos incluem manifestações orais, táteis, sonoras e visuais dos nossos povos originários, bem como a emergência de temáticas da diversidade (gênero, raça, culturas, línguas, etc) na produção literária brasileira e Internacional.”

Diversidade de vozes

Por essa razão, uma das principais protagonistas do evento deste ano é Sony Ferseck, também conhecida pelo nome “Wei Paasi”, escritora, poeta e pesquisadora indígena da etnia Makuxi, natural de Roraima. Doutora em Literatura pela UFF e pós-doutoranda pelo PPGL/UFRR, é também cofundadora da Wei Editora, a primeira editora independente de Roraima focada em autores indígenas. Seu trabalho literário, que inclui os livros “Pouco Verbo”, “Movejo” e “Weiyamî: mulheres que fazem sol” (finalista do Prêmio Jabuti), ressalta a cultura, a ancestralidade e a resistência das mulheres indígenas em suas poesias e pesquisas acadêmicas.

Sony Ferseck participa de uma mesa juntamente com Daniel Massa, poeta, roteirista e professor. Autor dos livros “Fio d’água”, “não tem nome de quê” e “Castelo de Areia”, que atua há mais de 10 anos no apoio a projetos no Território Indígena do Xingu, sendo um dos idealizadores da Biblioteca Indígena do Xingu. Daniel também é roteirista da série documental “Gente do Xingu” e do documentário “Antropólogo Aprendiz”, colaborando para a divulgação cultural e literária das comunidades indígenas da região amazônica.

Também é relevante a participação da pesquisadora trans Feibriss Cassilhas, professora da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Feibriss é reconhecida por seu ativismo e pesquisa nas áreas de diversidade, identidade e questões de gênero, sendo uma voz importante na interseção entre academia, tradução e movimentos sociais para inclusão e valorização de narrativas marginalizadas. Ela participa de mesa sobre tradução e encontros na diáspora negra, juntamente com a premiada tradutora Stephanie Borges, com mediação da professora Larissa Lagos.

Convidados internacionais

Dentro das celebrações da interação do Brasil com a França, o Fórum das Letras 2025 ressalta as participações internacionais, originárias de países de língua francesa:

Gabriel Mwene Okundji (1962) do Congo-Brazzaville, radicado na França, onde chegou para estudar medicina e psicologia. Sua obra, traduzida para o espanhol, inglês, finlandês, occitano, italiano e português, foi adaptada para o palco em várias ocasiões e recebeu diversos prêmios literários, incluindo o Grand prix littéraire d’Afrique noire (Grande prêmio literário da África Negra), o Prêmio Benjamin Fondane, o Prêmio Mokanda (Congo), o Prêmio Antonio Viccaro (Canadá) e o Prêmio Léopold Sédar Senghor. Em agosto de 2018, o Ministério da Cultura da França lhe concedeu o título de l’Officier de l’ordre des Arts et des Lettres. Gabriel participa de mesa na abertura do Fórum, com seu tradutor, o poeta Guilherme Gontijo Flores, professor de Latim na Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Guilherme é autor de diversos livros de poesia, entre eles “carvão : : capim” (2018), “História de Joia” (2019) e “Potlatch” (2022), além de ter recebido importantes prêmios, como APCA, Jabuti e Paulo Rónai, por suas traduções de obras clássicas. Sua obra contempla também traduções renomadas de autores como Robert Burton, Safo e Rabelais, sendo reconhecido como uma voz significativa na literatura brasileira contemporânea.

Haiti e Brasil

Uma das conversas mais aguardadas dessa edição do Fórum das Letras, acontecerá no encerramento do evento, entre o escritor Paulo Lins e o poeta, dramaturgo, romancista e rapper, Jean d’Amériques, do Haiti. Considerado uma das vozes mais expressivas da literatura haitiana contemporânea, Jean é reconhecido por uma escrita marcada pela urgência e pelo envolvimento social, explorando temas como violência, resistência e esperança. Além de sua produção literária, Jean d’Amériques tem presença ativa no cenário musical, como rapper e artista performático. Em 2023, lançou seu primeiro álbum de rap, “Mélancolie Gang”, descrito como uma odisseia poética em que mantém sua crítica social aguda e abordagens urbanas.

Artista multifacetado, Jean participa de festivais internacionais, com recitais poéticos e shows de rap, e seu trabalho também pode ser encontrado em plataformas digitais como Soundcloud e Spotify, com uma linguagem potente e inovadora. Publicou obras relevantes em diferentes gêneros, incluindo poesia, teatro e romance, tendo recebido prêmios como RFI Théâtre (Radio France Internationale), Prix Apollinaire Découverte, Prix Montluc Résistance et Liberté, conquistado em 2022 pelo romance “Soleil à coudre”; e o Prix Heredia da Academia Francesa. Recebeu também o Prix Jean-Jacques Lerrant para teatro, o Grande Prêmio Literário da África Negra e o Prix Jacques Scherer, que consolidaram sua trajetória de destaque na literatura contemporânea.

Por sua vez, conhecido mundialmente pelo seu romance “Cidade de Deus” (1997), que retrata a vida nas favelas cariocas e cuja adaptação cinematográfica em 2002 ganhou quatro indicações ao Oscar, Paulo Lins foi morador da favela Cidade de Deus e iniciou sua carreira literária nos anos 1980 como poeta, publicando em 1986 seu primeiro livro de poemas “Sobre o Sol”.

Graduado em Letras, trabalhou como pesquisador em estudos sociológicos e antropológicos sobre criminalidade, o que influenciou a criação de “Cidade de Deus”. Ele também é roteirista, tendo escrito episódios da série “Cidade dos Homens” e o filme “Quase Dois Irmãos” (2004), premiado pela Associação Paulista de Críticos de Arte. Em 2012, lançou o romance “Desde que o Samba é Samba”, que aborda a história do samba carioca, refletindo sua ligação com a cultura e a resistência negra. A conversa entre Paulo Lins e Jean d’Amériques, que também ambienta um de seus romances em uma “Cidade de Deus” do Haiti, será mediada pela escritora e professora da UFOP, Guiomar de Grammont.

Além dessas personalidades, o Fórum das Letras conta com a participação do importante professor e pesquisador francês, Michel Riaudel, da Sorbonne Université, tradutor de autores como Ana Cristina César, Modesto Carone, José Almino, Milton Hatoum, Fernanda Torres, João Guimarães Rosa, entre outros. Suas análises da poesia marginal carioca, do modernismo brasileiro, de Júlio Verne, das metamorfoses da personagem de Caramuru, desenvolvem uma potente reflexão sobre a literatura brasileira e as circulações literárias Brasil-França.

O jornalista e escritor franco-brasileiro Bruno Meyerfeld, correspondente do jornal francês Le Monde no Brasil também participará novamente do evento. Bruno se destaca por seu trabalho de investigação jornalística, especialmente sobre a política brasileira, sendo autor do livro “Cauchemar brésilien” (“Pesadelo brasileiro”), que traça um perfil crítico e detalhado da ascensão de Jair Bolsonaro, abordando desde sua infância até seu governo, com foco em suas controvérsias, ideologia e impacto na sociedade e na democracia brasileira. Meyerfeld é conhecido por sua análise aprofundada do contexto político e social do Brasil, trazendo à tona temas como corrupção, violência e crise sanitária durante a pandemia de Covid-19.

A professora Guiomar de Grammont, da UFOP, também coordenadora e idealizadora do Fórum das Letras, lembra que “Os verbos-conceitos utilizados para a prática de traduzir exprimem a criação e interação desses diferentes modos de comunicação, que afetam a forma como as pessoas compreendem e interpretam o mundo ao seu redor: ‘transmitir’, ‘re-criar’, ‘trans-criar’, ‘transbordar'”. E conclui: “a programação do Fórum é atravessada pela definição de Haroldo de Campos, do tradutor, como o ‘coreógrafo da dança interna das palavras'”.

Para os pequenos leitores

Segundo Guiomar, continuam vivos os objetivos do Fórum das Letras, de fomentar o debate sobre a formação do hábito de leitura literária em crianças e jovens. A Biblioteca Municipal de Ouro Preto, recebe atividades do Fórum das Letrinhas coordenadas pela professora Rita Lages, tais como a conversa de alunos das escolas públicas com o quadrinista mineiro Wellington Srbek, autor de adaptações de clássicos de Machado de Assis como “Dom Casmurro” e “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, para os quadrinhos. Para Guiomar, mais do que nunca, é preciso lutar pela democratização do livro e da leitura literária dentro e fora da escola, dados os atravessamentos de toda ordem que interferem, hoje, na relação das crianças e jovens com os livros.

Muita história, 20 anos de Fórum das Letras

Desde sua estreia, em 2005, o Fórum das Letras tem festejado o livro e suas mais diversas faces, promovendo debates sobre literatura, edição, tradução, crítica, leitura e toda a cadeia produtiva e de circulação do livro. Momentos históricos, como o maior crime ambiental de todos os tempos, ocorrido em Mariana, em 2015, e o impeachment da presidenta Dilma Roussef, em 2016, foram debatidos nos palcos do Fórum das Letras. Em todos esses anos, grandes nomes do cenário cultural brasileiro desfilaram pelas ladeiras e salas de Ouro Preto, em programações sempre críticas sobre a realidade do Brasil e do mundo. O Fórum já recebeu nomes como Conceição Evaristo, Adélia Prado, Nélida Piñon, Ferreira Gullar, Moacyr Scliar, Affonso Romano de Sant’Ana, Marina Colasanti, Marcio Souza, João Ubaldo Ribeiro, Milton Hatoum, Emicida, Laerte, Férrez, MV Bill, Adriana Calcanhoto, Leonardo Sakamoto, Paulo Lins, Mário Magalhães, Paulo Markun, José Miguel Wisnik, Arnaldo Antunes, Tony Belloto, Elisa Lucinda e tantos outros.

Participaram também grandes autores internacionais, como Jean-Paul Delfino, Roger Chartier, Asne Seierstadt e portugueses e africanos de língua portuguesa, como Pepetela, José Luiz Peixoto, Valter Hugo Mãe, Isabel Lucas, o moçambicano Mia Couto e o angolano Luandino Vieira, entre tantos outros. Passaram pelo Ciclo de Jornalismo nomes como João Moreira Sales, Lira Neto, Eliane Brum, Humberto Werneck, Mário Magalhães, Daniela Arbex, Audálio Dantas, entre outras importantes figuras do jornalismo brasileiro.

O Fórum das Letras de Ouro Preto tem coordenação da escritora e professora Guiomar de Grammont, idealizadora do evento, e da professora Mônica Gama. É promovido pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais – Fapemig e da Prefeitura Municipal de Ouro Preto. A programação do Fórum é gratuita e está disponível no link.

 

XX Fórum das Letras – UFOP

17 a 20 de setembro de 2025

Ouro Preto (MG)

Programação completa no link

Entrada gratuita

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